Sexta-feira, 29 de Março de 2013

CAMINHO PRIMITIVO (de Fonsagrada até Santiago de Compostela)

O caminho começa muito antes de darmos o primeiro passo. Começa mal tomamos a decisão. A partir desse momento, inicia-se uma preparação que vai do físico, ao mental, passando obviamente pelo espiritual.

 

Tentamos acautelar todos os pormenores, por isso a preparação é rigorosa. Desde a escolha do equipamento, das etapas a realizar, dos meios de transporte, etc, nada é deixado ao acaso.

 

Pode por isso dizer-se que a realização deste caminho se iniciou há quase um ano. Depois de alguns candidatos a fazer-nos companhia se terem apresentado para escrutínio, no final e apesar de todos terem sido aprovados, acabaram os suspeitos do costume: o Hélder e o Paulo.

 

O Paulo teve uma ideia de recolher frases de pessoas famosas que falassem de CAMINHO. Depois "chateou" uma data de gente e conseguiu traduções em espanhol, francês, inglês e alemão. A ideia é irmos distribuindo-as ao longo do trajecto. Um incentivo ou talvez apenas uma tentativa de tocar quem se cruze connosco.

 

Admiro o trabalho que ele teve e como a única colaboração que me pediu foi que o ajudasse a distribuir as frases, conto fazê-lo com todo o gosto ;)

 

Deixamos o conforto das nossas casas e dos dias programados, pelo desconhecido. No caminho como na vida, por vezes o que sabe melhor é aquilo que não parece lógico nem está programado. Talvez por isso me dê tanto gosto levar a cabo esta actividade e, não é por certo por acaso, que já vou para o quinto :) - para o Paulo este será o quarto. Engraçado eu já ter feito mais que ele, quando foi ele que me motivou a fazer o primeiro! Curiosidades da vida ;)

 

 

DOMINGO, 24 DE MARÇO DE 2013 - FONSAGRADA A CÁDAVO BALEIRA - 27 kms

 

Começamos por entrar na igreja de Fonsagrada, que ainda estava às escuras, mas onde já estavam os ramos prontos a serem benzidos. Depois de um primeiro momento de introspecção, começamos a caminhar por volta das 9:30 e tivemos que vestir os impermeáveis, pois a chuva já marcava presença.

 

 

 A chuva e o frio! Uma em conjunto com o outro, faziam doer as mãos, quase ao ponto de não termos vontade de manter os bastões em uso. As pontas dos dedos nem se sentiam! Mas a verdade é que o terreno enlameado e escorregadio não nos permitia dispensar estes elementos. Em boa verdade, foi uma pena que o nível de pluviosidade fosse tão intenso. Não nos permitiu desfrutar da paisagem que era mesmo assim brutal. Por vezes conseguíamos tirar os carapuços da cabeça, de modo a podermos trocar algumas palavras, mas por períodos muito curtos. Na generalidade do tempo, fomos calados, cada um acompanhado pelos seus demónios e pelos seus anjos.

 

 
  

 

O caminho é extremamente acidentado, com subidas e descidas constantes e com troços a fazer lembrar um percurso de montanha.

 

 

   

  

 

        

Almoçamos num restaurante do caminho, no qual o dono dizia a todos para não escolherem nada que não estivesse no menu. Caso contrário não saberia preparar. As opções não eram muitas: bocadillo ou hamburguesas :)

 

Após o almoço o tempo melhorou um bocado. Tivemos inclusive alguns momentos de sol. Mas foi de pouca dura, porque pouco tempo depois a água voltou a brotar dos céus...e se começou timidamente, mais para o final da etapa perdeu toda a vergonha e revelou-se em todo o seu esplendor! Até com granizo levamos no lombo. Foi mais de hora e meia de chuva torrencial. Nem as subidas íngremes que nos foram aquecendo permitiram que aquecêssemos um bocado.

 

Quando vimos o albergue ao longe até ganhamos motivação extra. Mas esvaiu-se quando vimos as fracas condições que nos esperavam. Encharcados até aos ossos, aquilo que mais queríamos era um banho quente. E tivemo-lo. Mas isso não é tudo. Há que pensar no depois. Com a roupa do corpo molhada, mas com alguma dentro da mochila no mesmo estado, dava imenso jeito ter uma máquina de secar. Infelizmente neste albergue isso não existe. Lamentavelmente, nem cordas para pendurar a roupa!!!

 

O que nos valeu, foi a simpatia e disponibilidade da D. Maria Jesús e do Sr. Adolfo, proprietários de um café/restaurante chamado "Las Três Espuelas", e com quem já tínhamos travado conhecimento na noite anterior aquando do jantar. A máquina de secar avariou há duas semanas, mas ligaram o aquecedor e deixaram-nos pôr tudo lá perto. E depois de nos enlambuzarmos com uma monumental travessa de massa com salsichas, deixamos lá tudo durante a noite e fomos descansar. Não sem antes trocarmos dois dedos de conversa com a hospitaleira Lola, que é uma simpatia.

 

 

SEGUNDA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2013 - CÁDAVO BALEIRA A LUGO - 30 kms

 

A noite foi arrepiante! Choveu torrencialmente e não agoura nada de bom para o dia que aí vem. Preguiçosamente lá fomos juntando as tralhas, e com tudo enfiado num saco plástico oferecido por um português de Viana do Castelo que partilhou a camarata connosco, lá nos dirigimos debaixo de chuva para o café da D. Maria Jesús. Recebeu-nos com a habitual simpatia que a caracteriza e preparou-nos o pequeno-almoço tradicional: tostadas con café solo e descafeinado cortado.

 

As nossas indumentárias estavam bem melhores, mas houve peças que não secaram completamente:(

 

Pedimos-lhe sacas para meter tudo dentro, e ela arranjou-nos umas grandes para metermos a mochila. Fizemos uns cortes para as alças e rezamos a Santiago para que a resguardasse da chuva. Fizemos mal. Acho que ele percebe pouco de impermeabilizações, devíamos era ter metido uma cunha para ele falar com S. Pedro. Assim, depois de nos despedirmos do simpático casal que tinha um galo de Barcelos a fazer a previsão meteorológica e que não cantava boas novas, lá metemos os sapatos (ainda húmidos) ao caminho.

 

Não há muito para contar sobre este dia. Foram mais de 6 horas de chuva contínua! Não houve um minutinho que fosse de tréguas. Almoçamos bolachas e madalenas numa mercearia !?! mas se tentássemos entrar noutro sítio acho que nos expulsavam. Molhados e enregelados até aos ossos, nem sequer fomos ao albergue e dirigimo-nos directamente ao Albergue Residencia Xuvenil Lug II, onde sabíamos existir máquina de secar. Ou isso, ou a certeza de que amanhã iríamos caminhar com roupa molhada logo à saída :(

 

A água era tanta, que os nossos pés estavam com rugas causadas pela humidade. Imaginem meter os vossos sapatos dentro de um tanque, tirem-nos de lá e depois calcem-nos. Pronto! Agora já sabem o que estávamos a sentir. Foi assim que fizemos mais de 20 kms. Sim, porque nos primeiros, o calçado impermeável ainda se aguentou, mas depois disso, foi um chlop chlop constante. Houve um sítio em que havia uma poça tão grande que ocupava todo o caminho. O  Paulo começou a rir-se e disse "agora é que vamos testar o calçado". Testar o quê se temos os pés todos molhados? - perguntei-lhe eu. E ele responde "testar se eles flutuam!!"

 

Felizmente, o sítio onde vamos pernoitar tem secadora. Foi tudo lá para dentro. A roupa de ontem, de hoje, e até os sapatos!!! Neste momento ainda não sei qual vai ser o resultado, mas depois partilho ;)

 

Eles servem refeições, por isso nem arriscamos a meter o nariz fora da porta. De primeiro prato pedimos massa, e de segundo pedimos massa :D

Amanhã há mais. E espero que haja mais variedade...

 

 

TERÇA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2013 - LUGO A MELIDE - 52 kms

 

Nem só caminhando é que se faz caminho! E isto é tão verdade literalmente, como também simbolicamente.

 

Como era nosso desejo, não faltou variedade no dia de hoje :P

 

Curiosamente, tudo começou ontem à noite!?! com o hospitaleiro a bater-nos à porta. Na sua boa fé, estando os sapatos ainda húmidos ao final do primeiro ciclo de secagem, o que não admira nada, ele meteu num segundo. E mesmo assim não ficaram bem secos, mas antes que eles

pegassem fogo, ele achou melhor não os deixar lá ficar mais tempo.

 

Foi o Paulo que foi à porta receber o homem. Com toda a sua boa vontade, explicou orgulhosamente o que tinha feito. O Paulo quando viu os sapatos com as biqueiras viradas para cima, teve vontade de chorar, mas como fazê-lo perante tamanha simpatia do hospitaleiro? Mandaram as regras da boa educação e do bom senso agradecer primeiro, esperar que ele virasse as costas em segundo, e só depois de fechar a porta, pensar se havia de rir ou chorar!! Imaginem os vossos sapatos com o calcanhar pousado no chão e a biqueira a apontar para o céu!!! Quando ele tentou meter os pés lá dentro, descobriu que nas ultimas horas os pés lhe tinham crescido uns 2 números!! Ou teriam sido os sapatos a encolher?!?

 

 

Desiludido, ele tentou partilhar o sucedido comigo, mas a única resposta que obteve foi um ronco :)

 

Da necessidade surge o engenho. Qual Gepeto dos sapatos, sentou-se a trabalhar. Começou por cortar o forro de impermeabilização. Depois de lá meter os pés dentro, constatou que a situação estava melhor. Decidiu ir até ao corredor verificar o resultado. Concluído ficou que não seria capaz de ir longe a caminhar, foi mais longe no arrojo e engendrou um protótipo capaz de arrasar nos grandes desfiles de Milão e Paris.

 

 

 

 

Quando o despertador tocou às 6:30, a primeira coisa que ele me disse foi "oh irmão, estamos quilhados". Escusado será dizer que quando vi o modelito, ri-me quase até às lágrimas. Depois decidimos falar de coisas sérias. O cenário não era famoso. Os meus sapatos, já sem o forro, também não agouravam nada de bom e se tentasse caminhar mais que 10 minutos com eles, iria provavelmente ficar sem unhas.

 

  

Desanimados e com a chuva a marcar a sua presença, decidimos ir tomar o pequeno-almoço. Neste momento a nossa intenção passava por nos dirigirmos à estação de bus e apanhar o autocarro para Santiago.

 

No nosso íntimo decidimos que este caminho teria que ser concluído numa outra altura. Sempre dissemos que o caminho vale por si mesmo e não pela chegada a Santiago. Mas nem este caminho estava a valer muito (devido à chuva torrencial, não conseguimos trocar experiências com outros peregrinos, que é uma das coisas mágicas que sempre acontecem - em boa verdade, parece nem sequer haver outros peregrinos!!!), nem a razão pela qual estávamos quase a desistir nos parecia razoável. Se houvesse uma lesão que nos impedisse de continuar...ou outra qualquer circunstância aceitável, ainda vá. Mas desistir porque a chuva foi tanta que nem o calçado impermeável resistiu, nunca esteve nos nossos horizontes.

  

 

Mas porque caminho é mesmo isto, ou seja o inesperado da situação, a constante alteração de planos, enquanto comíamos surgiu a ideia de ir procurar uma loja de desporto para substituirmos o nosso calçado.

 

Ao deambularmos no centro da cidade, um condutor abordou-nos pensando que buscávamos o albergue. Quando lhe explicamos o sucedido e lhe perguntamos se não haveria uma Decathlon por perto, ele disse que havia a uns 2 ou 3 Kms. Tal qual umas crianças mimadas, lançamos-lhe um beicinho e ele lá acedeu a levar-nos até lá.

 

Uma vez lá chegados, fomos em busca de calçado impermeável. Obviamente tínhamos consciência do risco de caminhar com calçado novo, sem estar adaptado ao pé. Normalmente resulta em bolhas, mas agora a ideia de desistir tinha ficado lá atrás, antes do pequeno-almoço. Agora nem que fosse de crocs, tínhamos que chegar a Santiago pelo nosso pé. Doesse a quem (ou onde) doesse ;)

 

À saída voltamos a ser bafejados pela sorte, pois um casal muito simpático acedeu a trazer-nos de volta para o centro de Lugo. Como perdemos imenso tempo nestas voltas, optamos por seguir até Melide de autocarro e descansar um pouco o corpo e a mente. Por isso comecei por dizer que nem só caminhando é que se faz caminho! Se foi batota? O espírito dos caminhos é mesmo este, adaptar-nos ao que nos vai acontecendo, traçando sempre novas rotas. Assim é também no nosso dia-a-dia...

 

Ao chegarmos à estação encontramos o peregrino de Viana do Castelo que vinha fazendo o caminho com o pai. O pai tinha desistido na noite anterior, vergado ao peso (físico e psicológico) da chuva. O filho tinha acabado de lhe seguir os passos e também estava à espera da camioneta. Ainda o convidamos a seguir o caminho connosco. Acompanhado, sempre teria mais força para continuar. Mas com tudo na mochila molhado e cansado de tanta chuva, a única coisa em que pensava era em voltar para casa.

 

A viagem prosseguiu assim até Melide, onde fomos fazer o nosso registo no albergue. Muitos outros peregrinos tiveram a mesma ideia. Talvez porque as condições são excelentes, com bons balneários, máquinas de lavar e secar. Assim, todos puderam fazer um reset e voltar a recuperar forças para seguir em frente. A hospitaleira Maria é extremamente simpática e estivemos um pouco na letra com ela.

 

Ao fazermos a distribuição das frases, houve um peregrino que perguntou ao Paulo se queria um donativo :)

 

Depois do banho, fomos visitar o meu amigo Juanito. Tinha-lhe prometido em Agosto passado, que se voltasse a passar por aqui o vinha visitar. Recebeu-nos com a mesma simpatia do ano anterior e ofereceu-nos uns chopitos (de café e de hierbas).  Depois passamos o resto do tempo até ao jantar a ler as previsões meteorológicas para os próximos dias e a ver o jogo de Portugal.

 

 

Ao regressarmos ao albergue, ainda estivemos na conversa com um peregrino paralímpico que conhece o norte de Portugal e que tem na sua página web o nome de todos aqueles que colaboram na sua actividade.

 

Agora está na hora da caminha. Amanhã temos uma etapa dura pela frente...

 

 

QUARTA-FEIRA, 27 DE MARÇO DE 2013 - MELIDE A SALCEDA - 25 kms

 

Chuva, chuva, chuva...e ainda mais chuva!!! Que surpresa. Depois de já termos levado com morrinha, chuva forte e granizo que até magoava as mãos, viramo-nos lá para cima e gritamos bem alto "olha lá, é isto o melhor que consegues fazer." Aparentemente não era :|

 

A seguir ao almoço em Arzúa, onde comemos um belo bocadillo de queso, parecia que o tempo nos iria dar algumas tréguas. Mas essa impressão durou muito pouco tempo, pois ao fim de meia hora de caminhada, tivemos que vestir novamente os impermeáveis. E se tivéssemos dois, teríamos posto um em cima do outro :)

 

Ao passar pelo centro, onde fica o albergue, já lá estava um grupo grande de peregrinos, desejosos que abrisse para se resguardarem, mas nós optamos por seguir adiante.

 

Tal como já referi ontem, temos vindo a verificar que comparativamente ao caminho do ano passado, também efectuado na semana santa, temos encontrado muito menos peregrinos. Fruto das péssimas condições climatéricas, muitos devem ter desistido, e ainda mais nem sequer devem ter chegado a começar!! Mas em compensação encontramos um jovem japonês que não fala inglês, nem francês, e só sabe umas poucas palavras de espanhol. Veio do Japão sozinho propositadamente para fazer o caminho!!! Caminhava de sandálias e meias...agora imaginem, no meio da lama que vos descrevi :| - para além disso, trazia uma mochila que devia pesar uns 12 Kgs. Oferecemos-lhe um café e demos-lhe um bocado de ânimo.

A linguagem gestual vale imenso :)

 

Para além de chuva, chuva, chuva, a nossa mente começa a processar outra informação também ela muito dolorosa: bolhas, bolhas, bolhas... e pés com muitas dores e em mau estado :(

 

Foi já com algum sacrifício que chegamos ao albergue, distanciado cerca de meio quilómetro do caminho. Este albergue é privado. Não sendo mau e tendo apenas 8 camas, é sossegado e razoavelmente asseado. Mas para instalações privadas, tinham obrigação de ser melhores. Muito claramente, são inferiores às do albergue público de Melide.

 

Conhecemos duas alemãs (mãe e filha) chamadas Sylvia e Liza. A Liza tem apenas 11 anos e está a ter a sua primeira experiência deste género. Ela diz que está a gostar, mas as condições meteorológicas não estão a ajudar para que ela desfrute da paisagem e do contacto com outros peregrinos. Jantamos na companhia delas e trocamos contactos. Desejamos felicidades para as próximas etapas. Como estão a fazer o caminho com muita calma, talvez ainda consigam desfrutar do sol daqui por dois ou três dias. É que as previsões para amanhã são mais do mesmo :s

 

 

QUINTA-FEIRA, 28 DE MARÇO DE 2013 - SALCEDA A SANTIAGO DE COMPOSTELA - 27 kms

 

Saímos tarde do albergue, mas o objectivo era chegar a Santiago apenas a tempo da missa do peregrino, ao final da tarde. Por isso tínhamos bastante tempo. Além do mais a motivação não era grande. Os nossos pés estão miseráveis e a chuva continua a ser a única companhia do caminho.

 

Perto de Sta. Irene há um sistema automático de som que ao detectar movimento dispara a seguinte mensagem "hola, bienvenido peregrino blabla". Trata-se de publicidade a um albergue privado. É giro durante o dia, mas tenho a impressão que se algum peregrino passar aqui durante a noite, tem mesmo que ir a este albergue. Quanto mais não seja, trocar a cuequita :P

 

Optamos por tomar o pequeno-almoço apenas quando passássemos por Pedrouzo. Já eram quase 10h quando paramos no mesmo sítio onde o ano passado havíamos feito o mesmo (confeitaria Che 4). A única diferença é que o ano passado eram umas 6h da manhã :) - muito simpáticas, as funcionárias ainda nos ofereceram uns pastéis miniatura, que por sinal eram muito bons.

 

Para não variar, a chuva, a lama, o vento... marcaram presença. Sim, ainda não tínhamos referido, mas fruto da muita chuva dos últimos dias e semanas, o caminho está todo enlameado, ao ponto de em certos sítios estarmos enterrados quase até ao tornozelo. Com as bolhas cada vez mais agrestes, cada passo foi ao longo deste último dia um verdadeiro calvário. Afinal de contas, estamos na semana santa, não é? :)

 

Para além de impedir o contacto com outros peregrinos, este tempo também não ajuda a desfrutar a paisagem. Almoçamos a cerca de 9 kms de Santiago. Lembrávamo-nos vagamente que daqui em diante o percurso era sobretudo em alcatrão. Por isso, antes de comermos, procuramos uma torneira e lavamos as botas e os impermeáveis. Não nos podemos apresentar perante Santiago todos borrados de terra :)

 

Para não variar, a chegada a Santiago foi feita debaixo de chuva. Manda a tradição, de quem faz o Caminho Primitivo ou o Francês, que deve entrar na Catedral pela porta da Praça da Imaculada. Mas nós preferimos ir sempre à Praça do Obradoiro.

 

Há sempre um misto de alegria, emoção e sentimentos bacocos à chegada. Mas este ano acho que isso foi mais latente. Talvez pelo facto de termos estado quase a desistir, ou porque estávamos massacrados pela chuva e pelas bolhas, ou por qualquer outra razão, a verdade é que parecíamos dois putos. Abraçamo-nos, tiramos fotos, olhamos um grupo de peregrinos que tinha chegado de bicicleta, completamente encharcados e muito badalhocos, e com quem partilhamos experiências e emoções, ali mesmo, sempre debaixo de chuva. Uns deitam-se no chão, outros sentam-se, outros ficam apenas ali parados a contemplar a grandiosidade da Catedral. Mas ninguém consegue ficar indiferente a uma sensação brutal de ter passado por muito, mas mesmo assim ter cumprido o objectivo a que se propôs. Só mesmo quem experimenta e vive esta experiência consegue compreender. É por isso que nenhum peregrino estranha as reacções dos restantes. Mas é muito fácil que um turista de Santiago pense que os peregrinos são chonés, fruto das reacções que têm nestes momentos :)

 

 

Fomos então buscar a Compostela e trocar as camisolas molhadas. É de lamentar que num local destes, não tenham um WC para o podermos fazer. Este foi aliás tema no jantar. Inclusive, deveriam ter um chuveiro, principalmente para os ciclistas poderem colocar-se confortáveis e quentes para irem à Catedral. E até mesmo um local para lavar bicicletas, etc. Mas isso são outras questões... 

 

Entramos então na Catedral e demos uma pequena "volta" pela mesma. Optamos por não cumprir agora os rituais. A fila para abraçar o Apóstolo é imensa e temos que nos apressar pois queremos assistir à missa, mas ainda temos que ir tomar um banho para vestir roupa seca. Depois de um momento de reflexão, dirigimo-nos ao albergue Seminário Menor.

 

 

Depois da missa (que não foi a tradicional do peregrino por estarmos em dia santo) e visto que a porta para abraçar o Apóstolo já se fechou e não volta a abrir hoje, saímos para dar uma volta rápida para ver as lojas de recuerdos. Há sempre coisas novas. Algumas totalmente inúteis, mas esta é mais uma coisa que só os peregrinos entendem. Por vezes sentimos necessidades de comprar uma palermice que nos lembre cada caminho em particular, ou qualquer pensamento ou decisão que tenhamos tomado, ou qualquer outra coisa que nada diz a quem não vive uma experiência destas.

 

Fomos então ao restaurante Casa Manolo jantar. Como sempre, fomos atendidos com imensa simpatia e não pudemos deixar de comer a tradicional tarte de Santiago, devidamente abafada por um licor de ervas...e depois um segundo...ok, e um terceiro, quarto e mais não digo :) - depois da dureza do caminho, há que recuperar as mazelas. Quando saímos de lá, já não nos doía os pés :D

 

Mas que surpresa!! Está a chover torrencialmente à saída do restaurante :D - como as calças do impermeável ficaram a secar, chegamos ao albergue molhados até ao cuecame...mandamos mais umas bocas lá para cima a dizer que isto não se faz, mas acho que não nos deram ouvidos...vamos mas é dormir que os chopitos aquecem-nos.

 

 

SEXTA-FEIRA, 29 DE MARÇO DE 2013

 

Às 5h da manhã, um grupo de peregrinos (escuteiros portugueses) levantou-se para sair. Alguns deles acharam que já era hora de todos os restantes peregrinos se levantarem porque começaram a falar alto.

 

Saímos do albergue por volta das 9h e fomos tomar o pequeno-almoço. Depois dirigimo-nos ao centro. Aproveitamos que ainda não há muita gente e vamos cumprir os rituais (abraço a Santiago, onde encontramos um padre português e com quem trocamos breves palavras, ir à capela de que mais gostamos, apesar de ser das mais simples, etc).

 

De novo no exterior e apesar de termos dado uma voltinha ontem, acabamos por não comprar nada, por isso, há que o fazer hoje. Lembranças para nós próprios, e para quem merece :)

 

Aproveitamos que tínhamos tempo livre para irmos visitar o museu das peregrinações. É barato e vale bem a pena. Para visitantes normais custa 2,5€. Não que nós sejamos anormais, mas pelo facto de sermos peregrinos pagamos menos 1€. Com um modelo brutal da Catedral logo na primeira sala, o museu estende-se por 3 andares e oferece aos visitantes, a possibilidade de conhecer mais em detalhe o historial da Catedral e das peregrinações, com recurso a muitos meios interactivos, havendo inclusive um jogo de PC para entretenimento mas ao mesmo tempo aprendizagem histórica.

 

O tempo continua chuvoso. Para não variarmos muito, comemos mais uma sandocha. Finalmente tivemos uma trégua lá de cima e aproveitamos para ficar na praça a ver os (poucos) peregrinos que chegam. É muito giro estar a observar. Percebemos perfeitamente o que eles sentem, mas é diferente estar assim sossegado e ver os outros. Nunca tínhamos reparado, porque quando nós chegamos estamos muito virados para dentro. Por isso nunca nos tínhamos apercebido como é bom estar assim.

 

As tréguas duraram pouco, por isso vamo-nos entretendo abrigados, até que nos venham buscar.

 

Aproveitamos para deixar uma palavra de agradecimento e afecto para a família que foi incansável durante esta semana. Vieram trazer-nos e buscar-nos, e estiveram sempre disponíveis para colaborar.

 

Fomos todos jantar ao Manolo e depois ala para casa...já a pensar no próximo :D

publicado por vagabundos às 21:00
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