Quinta-feira, 16 de Agosto de 2012

Caminho Primitivo de Santiago - 11 a 15 de Agosto 2012 (feito como o café daqui: sólo :))

SÁBADO, 11 DE AGOSTO DE 2012

 

(Esta é uma vagabundagem diferente das demais por uma série de razões. Desde logo pelo inusitado facto de ser feita a solo. E apesar de (por este motivo) não poder ser considerada uma actividade dos Vagabundos, é pelo menos realizada por um dos seus membros, que quis partilhar parte desta experiência. Aqui vão poder encontrar diariamente uma pequena resenha desta nova aventura)
ATÉ LUGO 7h35 - estação de Campanhã. Pela primeira vez, desde que realizamos os Caminhos de Santiago, decidi deslocar-me até ao local do início de peregrinação em transportes públicos. Prevê-se uma estirada de mais de doze horas, mas penso que será compensatório, até pela experiência. De mochila às costas pelo mundo. Este é um dos sonhos que tenho há muito tempo e esta, será uma bela ocasião para sentir um pequeno perfume dessa ideia peregrina!!

 

O comboio está atrasado. Não! Não vou cair na tentação de dizer "vê-se logo que estamos em Portugal"! A previsão indica que serão só 10 minutos e não coloca em risco a minha próxima ligação. Tudo bem...ok, a nova previsão já indica 20 minutos. Afinal ainda vou comer um sandocha. Um pão com queijo custa € 1,65!! Ainda pensei que o homem me fosse servir queijo da serra, mas não. Era queijo fatiado dum hipermercado qualquer...a culpa é minha. Devia ter trazido de casa. Minha e do atraso do comboio, que se tem partido a horas, já não me tentava a vir comer nada :) Por falar em atraso, afinal vai ser meia horita....mentira! 45 minutos de atraso e finalmente lá parti em direcção a Tui. O bilhete custou 11€ e depois lá dentro, pagamos mais 3,5€ para ir até Vigo. Graças ao atraso, já não apanhei o das 12h13 em direcção A Corunha. Vou no das 13h05. Paciência! O bilhete custa 14,05€, mas enquanto que do Porto para cá vim num comboio a vapor com motor diesel (!?!), agora vou num comboio todo catita. Não devia ter dormido tanto na primeira viagem. Se sabia tinha-me guardado para agora.

 

A barriguita já reclama, por isso, toca a comer a bola que trouxe da padaria portuguesa. Ah! E a bolacha húngara :) - claro que tinha que trazer disto. Que vício :P

 

Encontrei um grupo de portugueses que vão para Santiago...de comboio!!! Lol. Mas vão todos equipados como se fossem peregrinos. Mochilas, sacos-cama e outras tralhas com aspecto de nunca terem sido utilizadas. Fazem barulho por eles e por todos os portugueses que não puderam vir...não tenho sorte nenhuma!!!

 

O tempo está merdoso. Deixei o impermeável em casa. Será que me vou arrepender? Afinal ainda guardei algum sono para este comboio. Parece que nesta matéria tenho créditos com fartura. Chegado à Corunha, é hora de procurar a estação dos autobuses. Na verdade quem tem um iPhone tem tudo. Mapa, GPS e cá estamos nós. Eina, ganda confusão...não há indicações e tem que se perguntar a 7 pessoas para se ter uma informação de jeito...e agora grande seca de mais de uma hora. A camioneta é só às 17h30. Enquanto espero, amarfanho uma sande de tomate e mozzarella que trouxe de casa. E as restantes húngaras vão fazer companhia à outra :)

 

Finalmente saímos. Sentou-se uma senhora ao meu lado que ocupa o lugar dela e mais metade do meu. Já sei como é que se sente uma sardinha dentro de uma lata. Dormi todo o caminho com a tromba colada à janela. Devia parecer aqueles peixes que se colam aos vidros dos aquários a comer o verdete. Ainda bem que ia neste lugar, porque se fosse no dela, acordava no meio do corredor :) o bilhete do autocarro custou 10,10€. Estas informações são para a remota possibilidade de alguém algum dia querer fazer a mesma experiência.

 

Lugo é uma cidade muito bonita. Tem uma enorme muralha a abraçar a cidade e é muito calma. Ou então foi tudo de férias para outro lado e só cá ficaram os peregrinos :) - e são mais que muitos!! O número ultrapassa os 80, segundo me disse o simpático estalajadeiro. Fala português melhor que eu próprio e tal como a maioria dos Galegos, é a simpatia personalizada. Parece que os peregrinos são tantos que nem tenho lugar no albergue. Ora fo#%$£-se!! Mas também já passa das 19h.

 

Deu-me indicação do Centro Juvenil Lug II, onde vim ter com facilidade graças ao mapa que ele me deu. Mais um estalajadeiro 5* que me deu um quarto onde estou sozinho. Mas paguei 13€!! Depois, rotina: fazer compras, tomar banho, lavar a roupa (na maquina que aqui não têm tanque), jantar e agora dormir. Hoje vou ter que dispensar a night :) - hasta mañana

 

 

DOMINGO, 12 DE AGOSTO DE 2012

 

07h00 - a sair do albergue. Bem no centro da cidade escolho um café para desayunar. Visito a catedral de Lugo, que é brutal e onde, às 7h30 já se encontram crentes a mandar mensagens fé voz lá para cima, e meto pés ao caminho. Ainda se vêem muitos jovens a voltar a casa vindos da noite. Não sei se é por o sol aqui ser mais preguiçoso. A esta hora ainda não está totalmente de dia!

 

De início é difícil se estamos no caminho certo porque há poucas indicações. Mas depois começam a aparecer em força. Que monotonia. Só se caminha em estrada. Há apenas 2 ou 3 pequenos troços que são feitos por caminhos paralelos no meio da vegetação, mas voltou sempre para a rua. Peregrinos nem vê-los. Ou saíram mais cedo, ou mais tarde, ou caminham a um ritmo muito diferente. O que também não se vê, são sítios onde comer ou beber alguma coisa.

 

O meu objectivo hoje era San Román de Retorta, mas cheguei tão cedo que não vou ficar aqui. Ainda não é meio-dia! Como a laranja e a bucha que trazia, tomo um café (algo parecido) e continuo estrada fora. Aqui há uma divisão do caminho. Sigo por um antigo caminho romano, que ouvi dizer ser mais bonito, e que se junta ao oficial em Ponte Ferreira, onde fica o próximo albergue. São só mais 10 kms.

 

Agora estamos em plena baixa montanha. O percurso sobe e desce constantemente. A ponto de uns peregrinos ciclistas fazerem todas as subidas a pé!! O tempo está muito fraco e inclusive já senti uns pingos. Medo!!! Chegado a Ponte Ferreira paro para comer um bocadillo de jamón con queso e bebo uma Estrella Galicia que me sabem pela vida. O albergue fica a uns meros 300 mts e como não tenho visto ninguém a passar, deixo-me estar a preguiçar ao sol. Peço um café e entretenho-me a ver uns peregrinos a chegar e a pedirem morfes. Quando já estou farto de estar ali, decido ir para o albergue, que apesar de ficar perto é privado e aceita reservas. Por isso, quando perguntei se tinha vagas, vi o hospitaleiro a abanar a cabeça: lo siento diz-me ele. Não mais do que eu, respondi-lhe a rir-me. Bem, o próximo é em Seixas e fica a 6,5 kms. Tinha eu saído há uns 30 segundos quando ouço alguém atrás de mim "perdón, ola". Quando me virei dei de caras com o bacano da receçao (novo acordo ortográfico) que me pergunta "estás sólo?" Eu olhei em volta e tive vontade de lhe dizer "Não! Estou com o Sancho Pança, mas ele dorme em cima do burro!!". Mas como não estava em posição de me armar em parvo limitei-me a responder "Sim, estou sozinho". Então ao estilo de quem emite um comunicado real, ele atira-me a seguinte boa nova "a Dona manda dizer há um lugar vago". Óptimo, digo-lhe eu. Vou atrás dele, faço check-in, ponho o carimbo na credencial, pago os 10€ de um albergue privado e vou todo lampeiro escada acima atrás dele. Quando chegamos à camarata vejo-o a abrir um gavetão por baixo da cama inferior de um beliche. E o que é que havia lá dentro? Ora adivinhem lá? Para isso, era preciso que alguém tivesse paciência para ler esta porcaria, mas tá bem). O que estava dentro do gavetão era nem mais nem menos que um colchão!! Então o plano era esse. O gajo queria que eu dormisse numa gaveta. Assim ao estilo morgue mas sem o cheiro a formol! Mas o problema nem era dormir no gavetão. O problema era a falta de espaço, que implicava que os meus pés e a minha cabeça fossem ficar demasiadamente próximos das caras de outros peregrinos. Foi a minha vez de lhe abanar a cabeça como os burros. Não! Aqui é que eu não fico. Prefiro dormir na beira da estrada. Agradeci e lá voltei para a estrada. O problema é que com esta história perdi mais 20 minutos. Mas não adianta pensar nisso. Há-de ser o que tiver que ser.

 

Acho que já consigo entender os peregrinos que vão para Fátima e fazem 50 kms num só dia. A partir de determinada altura os pés e as pernas mexem-se com vontade própria e levam-nos até ao fim do mundo. A nossa cabeça é que atrapalha com mariquices: ai que amanhã vou estar cansado e não me vou aguentar nas pernas; ai que vou ficar com cãibras; ai que não posso mais...e por aí fora. Se pudéssemos vir sem a cabeça, era que nem ginjas :)

 

Ainda bem que vim até aqui. Este albergue é bem mais simpático e limpo. E mais barato, já agora. E está quase vazio. O único inconveniente reside no facto de não haver nada em redor para comer. Mas liga-se a encomendar o jantar. Agora é só tomar banho, lavar a roupa, esperar pela comida e toca a ir para a caminha. Amanhã há mais ;)

 

 

SEGUNDA-FEIRA, 13 DE AGOSTO DE 2012

 

5h00 - já não tenho sono. Não tenho paciência para estar aqui deitado. Vou levantar e arranjar-me. Meia hora depois estou a sair do albergue. Comi pão seco que sobrou do jantar e um café que tirei da máquina de moedas. Está escuro como breu, por isso recorro à lanterna do meu telemóvel. Os bastões vão na outra mão. Tenho que ter muitas cautelas para não falhar nenhuma indicação.

 

Meia hora depois torna-se claro que preciso de uma alternativa sob pena de ficar sem bateria antes de ter luz do dia. Assim, pego na minha lanterna de dínamo e lá vou a dar ao zarelho. Mas isto quase não dá luz. E logo hoje o caminho tinha que ser todo no meio do bosque.

 

Parece-me claro que me perdi! Já não vejo nenhuma marca há uns dez minutos, mas também não percebo onde é que me posso ter enganado. Mas não restam dúvidas. Tenho que voltar atrás. Que bosta!

 

Ups! Que grande perro me saiu ao caminho. Liguei outra vez o telemóvel e é claro que estou perante um cão de enorme porte e com um ar muito pouco simpático. Eh lá, e vem na minha direcção...se à luz do dia já seria assustador, aqui no meio do nada, sem qualquer casa por perto e no meio desta escuridão é verdadeiramente aterrador!! Afinal já não quero voltar atrás. Que se lixe o caminho. Vou seguir em frente que isto há-de ir dar a algum sítio.

 

Mas isto parece perseguição. Mais dois cães no meio da rua e não me deixam avançar! Estou encurralado e perdido. Que nóia! E agora, o que é que faço? Vou esperar a ver se passa um carro. Estou tolo. Às 6h50 no meio do nada?!? Que desespero!! Vou esperar pela luz do dia. Talvez me ajude a pensar com mais clareza. E os cães que não se calam. Felizmente que nenhum veio atrás de mim. Limitaram-se a não me deixar passar.

Por volta das 7h10 começam a ver-se os primeiros farrapos de luz. Não é muito, mas já consigo ver uns 10 metros adiante e como o primeiro cão se calou há uns 5 minutos, resolvo voltar atrás e procurar o caminho. Quando passo no sítio onde ele me apareceu, sustenho a respiração e passo em bicos de pés. Que raio, logo eu que nunca tive medo de cães.

 

Consegui passar e regressei ao último marco, e o que é estranho é que continuo sem perceber onde foi que me enganei. Mesmo que viesse com luz, tinha-me perdido!! Algo me está a escapar. Vou voltar atrás mais uma vez. Ah, outro peregrino perdido!! Afinal, 4 olhos vêem melhor que 2+2!! Vimos finalmente a razão do nosso engano, uma seta minúscula num poste indica o caminho a seguir. Estamos finalmente no trilho certo. Seguimos juntos trocando algumas experiências, mas depois de pararmos num café, ele segue mais cedo quando ainda vou a meio do meu pão.

Daqui até Melide não há muito mais a registar. O trajecto é bonito mas duro. À entrada da cidade entro numa mercearia para comprar fruta. Quando estou a escolher, passa na rua um homem dos seus 70 anos que mete conversa e me pergunta como está a correr, de onde venho, blablabla. Ele entra na loja (que eu venho mais tarde a descobrir que é dele) e depois de me deixar escolher e pagar a pêra, convida-me para um café. Dizem as regras da boa educação que não se recusa o que nos oferecem de coração, por isso aceitei. Ele leva-me para a parte de trás da loja (que é a casa dele) e faz-me um café e oferece-me um licor (xopito, como lhe chamou) enquanto falávamos de fado e da minha "pronúncia galega" - lol. Ainda me ofereceu uma das netas em casamento (a outra já é comprometida) mas tenho que a vir buscar de carro. A pé ela não vai!!! Grande Juanito :)

 

Despedi-me com a promessa de passar novamente, e pretendo cumprir.

Sigo viagem, paro na igreja local e quando saio tenho a necessidade de ir a uma panaderia. Preciso de um doce para abafar o xopito ;) - comprei biscoito tradicional que é bem bom!!

 

A partir daqui cruzo-me com o caminho Francês. Gente que nunca mais acaba. O percurso continua duro, com muitas subidas e descidas de primeira categoria. Chego a Arzúa e decido ficar por aqui. O albergue público é bonito e tem lugares livres. Agora é a rotina: tomar banho, lavar a roupa, descansar, jantar e deitar cedinho porque amanhã tenho mais caminho pela frente

 

 

TERÇA-FEIRA, 14 DE AGOSTO DE 2012

 

7h00 - só a esta hora é que tirei o rabo da cama, apesar do movimento na camarata ter começado bem mais cedo. Aliás, quando me levantei, já só estavam mais duas pessoas para além de mim!! Mas a pressa não era muita. Afinal de contas, são só 21 kms até Pedrouzo. Meia hora depois já estou a caminhar com o pequeno almoço tomado, no café ao lado do albergue. Está a chover. Uma chuva chata e peganhenta, que entranha até aos ossos. Pela primeira vez desde que faço os caminhos (e já vou no quarto), não trouxe impermeável, e pela primeira vez, foi necessário!!

Como se costuma dizer, o que não tem remédio, remediado está. Levo com ela na cabeça para refrescar as ideias :)

 

Da outra vez que aqui passei ao fazer o Caminho Francês nem me apercebi do quão agradável é este troço, feito no meio do bosque. Mas é duro! Muitas subidas e descidas bem íngremes.

 

Quando já estou a começar a arrotar à fome, eis que surge no caminho um bacano a vender fruta. Escolho aquele que é o meu fruto preferido e que muito raramente como: uma banana. Quanto é? - pergunto-lhe eu. Quanto quiseres dar, responde-me ele. Não faço a mínima ideia quanto é que isto vale digo-lhe eu. E ele novamente a rir-se: o que quiseres!

 

Se ele me tivesse dito que custava 0,50€ eu chamava-lhe espanhol ladrão, assim dei-lhe 1€ :D

 

Ele ficou todo contente e disse para tirar mais qualquer coisa, mas eu já estava satisfeito com a compra. Perguntou-me de onde era e lá ficamos à conversa. Ele é de Barcelona e segundo ele, os portugueses falam muito com "xises". Mais umas tretas sobre idiomas até que ele disse: conheço uma palavra portuguesa: trapalhada. Vocês usam essa palavra? Agora foi a minha vez de me rir ao responder-lhe "nem imaginas quantas vezes" :)

 

Depois perguntei-lhe o que andava a fazer tão longe de casa. Nada, disse-me ele com o ar mais natural deste mundo. Já sei porque nos demos bem: ele é mais vagabundo que eu :)

 

Isto está muito interessante mas eu tenho que seguir o caminho e vem aí mais clientela para ti. Xau-xau.

 

Logo adiante paro para comer um bocadillo de queijo, beber um sumo e tomar um café...e não resisti a pedir um donut para me dar energia ;)

Não sei que coisinha ruim me passou pela cabeça, mas o Albergue de Pedrouzo já ficou lá atrás e eu continuei a caminhar. Não sei se é o caminho a chamar por mim, ou se são simplesmente a Tarte e as Pedras de Santiago (lol), mas o que é certo é que as minha pernas recusam a obedecer-me e ao bom estilo de Forrest Gump, elas não param!

 

Tenho as cuecas todas molhadas. E não, não foi nenhum descontrolo urinário. Depois de umas tréguas à hora do almoço, a chuva voltou mas bem mais intensa. Até trovões e relâmpagos. Já pensei deitar os bordões fora. É que quando passei o Albergue pensei para mim mesmo "raios me partam se não chego ao Albergue do Monte Gozo". Será que eles me ouviram e vêm atrás de mim?!? Medo...

 

Dos raios já eu me livrei, mas a chuva cai sem piedade. Tenho que parar para comer qualquer coisa. Estou a caminhar há 8 horas quase ininterruptas e os meus pés estão a começar a ressentir-se. Aproveito para deixar uma palavra de elogio às minhas sapatilhas. As mais baratas que comprei até hoje para estas atividades, mas que ainda não me obrigaram a gastar nenhum penso. Só deviam era vir equipadas com uma sola Vibram. Tirando isso, five stars!!

 

Depois de comer mais um bocadillo e tomar um café, ponho pés às poças. É que parado e molhado, começo a enregelar. Por isso estugo ainda mais o passo.

 

Ah!! Que prazer. Depois de passar pelo Albergue de Monte Gozo fico com a fantástica sensação que o caminho é só meu. É que não há mais nenhum tolinho que arrisque a ir mais adiante hoje, por isso, sabe-me pela vida fazer estes últimos 5 kms sozinho. Ver peregrinos é agradável e trocam-se experiências, mas no Caminho Francês e principalmente nesta altura do ano, são tantos que torna-se impessoal e impossível de falar seja com quem for. Por isso estes últimos quilómetros sabem-me pela vida. Ainda por cima S. Pedro está a dar uma mãozinha, pois parou de chover. Petáculo :)

 

De todas as vezes que cheguei a Santiago, esta foi a que mais arrepios me provocou. E não estou a falar do frio que ainda sinto por ter a roupa molhada colada ao corpo. Mas foi especial. Razões pessoais. Pena é que a cidade tenha sido inundada. Estamos em Agosto e amanhã é feriado. Uma confusão pouco propícia a grandes reflexões :(

 

Depois de um momento a contemplar a Catedral vou buscar a Compostela. Gente até cá fora!! A esta hora...se fosse amanhã de manhã ia ser jeitoso. Entro na Catedral. A fila para dar o tradicional abraço ao Apóstolo faz curvas a perder de vista. Não obrigado. Já o abracei em alturas mais calmas é co que tenho para lhe dizer não precisa ser dito ao ouvido :)

 

Depois de um momento de reflexão dou uma volta às capelas e em particular aquela onde se deixam as mensagens. Depois saio e dou uma volta preguiçosa. Sem pressas. Depois vou até ao Albergue Seminário Menor ver se têm sítio. Arrumo as minhas tralhas e volto à cidade já sem o peso da mochila. Vou comprar as tradicionais Pedras, uns regalos, comer ao manolo (sem esquecer a Tarte de Santiago e o licor de ervas para me aquecer depois de um dia tão duro)

 

Reflexões? Ficam para amanhã. Depois do licor, já não fico em modos de mais nada a não ser dar com a minha cama no labirinto do albergue :)

 

Hasta mañana

 

 

QUARTA-FEIRA, 15 DE AGOSTO DE 2012

 

Apesar do cansaço acordo bastante cedo. Levanto-me sem pressas, tomo um banho, preparo as coisas e volto ao centro da cidade de mochila às costas. Está fresco, mas nem sinais da chuva de ontem. Pelo menos por agora. Vou-me passeando pelas ruas quase desertas a esta hora. É bom ter a cidade "só para mim". Só meia dúzia de peregrinos e alguns cidadãos locais é que deambulam aqui ou ali.

 

Aproveito a ausência de turistas e o sossego que isso proporciona para ir à Catedral sem tanto barulho, e até aproveito que não há fila para dar o tradicional abraço ao Jacobo. Afinal, não preciso de lhe dizer nada ao ouvido mas ele podia ficar zangado de eu vir até cá e não lhe dar o calduço habitual :)

 

Agora vou tomar o pequeno-almoço. Escolho uma esplanada onde está a bater um sol delicioso. Peço uma tostada (que eles insistem em querer encher com azeite ou manteiga mas que para mim tem que ser sem recheio, e um café solo largo. Enquanto isso escrevo as notas finais desta odisseia.

 

Por vezes desorientamo-nos ou perdemo-nos, como aconteceu comigo na segunda etapa. Mas eu sabia que dali por umas horas tudo estaria bem, tudo se resolveria. Nem que no limite eu tivesse que chamar um táxi, eu sabia que encontraria uma solução. Apenas porque era natural que assim fosse. Mas o que se iria passar nesse entretanto assustava um bocadinho.

 

Também na vida é assim. Lá mais à frente, mesmo a situação mais difícil que agora parece não ter solução, estará resolvida. Mas por vezes ficamos sem saber para onde nos mover. Por vezes precisamos de uma luz, que nos aponte a direcção correcta. E em geral, não podemos esperar que alguém a acenda por nós. Temos que ser nós a apontar. E todo o ser humano tem medo de escolher a direcção errada. Vou estudar medicina ou línguas? Vou emigrar ou tentar a minha sorte por cá? Vou estudar ou trabalhar? Vou comprar uma casa ou alugar? Vou comprar um fato ou umas calças de ganga? Tudo na vida é feito de escolhas. Umas mais fáceis, outras mais difíceis. Umas mais importantes, outras menos. Mas em todas elas, temos medo de não tomar a mais acertada. No entanto, pior do que errar, é não tomar nenhuma!

 

"O mais importante na vida não é a situação em que nos encontramos, mas a direcção para a qual nos movemos"

 

Nos caminhos, as setas amarelas indicam a direcção certa e a luz brilha bem lá ao fundo na Catedral, chamando e guiando todos os peregrinos. Na vida, cada um tem que encontrar a sua própria luz. Mas o importante mesmo, é que não fiquemos eternamente parados a pensar se aquela será a mais acertada.

publicado por vagabundos às 10:30
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