26/09/2008
A alvorada foi às 8 horas, mas foi em ritmo lento que iniciamos os preparativos. Fomos tomar o pequeno-almoço a uma confeitaria local e efectuamos as compras dos bens necessários para este dia num supermercado local. Quando andávamos nestas andanças, uma anciã que nos viu de mochila às costas saiu-se com a seguinte tirada: “Onde ides meus meninos? Ides para a tropa? Casai antes com uma gaja boa!” Escusado será dizer que este episódio serviu de mote para grande risota, que se repetiu ao longo do dia.
Este arranque foi tão lento, que só às 10:30 horas é que iniciamos a marcha até à estação. Desta forma, só começamos efectivamente a caminhar no percurso às 11 horas. O primeiro apeadeiro que deveríamos ter encontrado era Drizes (Km 25,9/112,6), mas infelizmente, já não existe. O troço compreendido entre S. Pedro do Sul e este apeadeiro era o mais curto de toda a linha que percorremos, com apenas 0,9 quilómetros. O único sinal que encontrámos, foi um nome de rua alusivo à linha.
A paisagem era por esta altura mais agradável que no dia anterior, porque havia menor quantidade de habitações e maior verdura, onde predominavam os castanheiros. Cruzamos então a primeira ponte deste dia, que passa sobre um afluente do rio Vouga.
O traçado da via férrea seguia agora paralelo à EN16, chegando mesmo a cruza-la imediatamente antes da estação das Termas de S. Pedro do Sul (Km28,5/110). Esta revelou ser diferente de todas as outras, devido ao seu revestimento ser totalmente em azulejo. Nota-se que era uma estação mais "fina" que as restantes, fruto das pessoas que a movimentavam noutros tempos. Sim, porque em tempos que já lá vão, esta história de ir a banhos para as termas não era para qualquer um.
O seguimento do traçado foi muito difícil de encontrar. A paisagem continuava a revelar-se muito agradável e nem mesmo uma casa de construção tradicional da Região da Beira nos tirou o entusiasmo.
Seguiu-se a passagem pelo primeiro túnel do dia, o 3º que encontramos no traçado.
À entrada de Vouzela (Km 32,3/106,2) a linha está totalmente descaracterizada e mantém-se assim até chegarmos à estação, que está convertida em central de camionagem. Aqui pudemos observar, que há semelhança das outras ao longo desta via, a sua construção tem características francesas, pelo facto de a companhia construtora ter algum capital e engenheiros desta nacionalidade. A estação está bem conservada e dispõe ainda do depósito de água, que "abastecia" os comboios a vapor, que circularam nesta linha até 1972.
À entrada da ponte imediatamente a seguir, datada de 1913 e que passa sobre o Rio Zela, pudemos observar uma locomotiva a vapor E202, adquirida pelos Caminhos de Ferro do Estado em 1911 à firma alemã Henschel & Sohn, própria para linhas de via estreita.
Um pouco adiante, vimos uma pequena ponte “improvisada”. Infelizmente, uma dos poucos marcos que sugeria aventura. De seguida cruzamos a terceira ponte do dia. Daqui já se avista a Serra da Arada e logo ao lado, a da Gralheira. Um pouco mais a norte, está a serra da Freita, que bem conhecemos das imensas caminhadas que aí realizamos ao longo do ano. Seguiu-se a passagem pelo 4º túnel.
Aqui, o percurso, à semelhança do que encontramos no ano anterior, tinha ainda muita pedra no chão, o que dificultava a marcha. Cruzamos uma estrada que deverá ser de construção recente, e logo adiante surge o 5º túnel. Seguiu-se uma parte de trajecto descaracterizada, que nos obrigou a perguntar a alguns anciãos sobre a direcção a seguir.
O percurso voltou então a ser em cascalho e foi neste cenário que encontramos o 6º túnel ao que se seguiu o apeadeiro de S. Vicente de Lafões (Km38,5/100), que marca exactamente o meio da nossa aventura. Foi este o local escolhido para almoçar. O edifício apresenta-se muito degradado e com sinais nítidos de vandalismo. Aqui, realizamos o primeiro campeonato de arremesso da pedra à lata. Sem um alvo tradicional por perto, improvisamos com uma ponta de tubo de PVC. Não deixamos este local sem antes tomarmos o tradicional pingo.
Colocamos novamente os pezinhos à estrada, ou melhor à linha, ou aos vestígios que sobram, que por esta altura são muito escassos. Perto de um espigueiro, fomos confrontados com uma bifurcação, na qual hesitamos sobre qual o caminho a seguir, visto que ambos poderiam ser o caminho original da linha. Avistamos umas habitantes locais que se dirigiam a nós no sentido contrário, e então questionaram-nos sobre o que estávamos ali a fazer, pois estranharam verem 5 vagabundos parados a olharem para elas. Quando respondemos que estávamos à espera delas, disseram muito aflitas: “Ai meu Deus!” – pensando por certo que lhes iríamos fazer algum mal. Logo esclarecemos a situação e pedimos que nos indicassem qual o trajecto a seguir, com vista a encontrarmos o traçado da linha. Daqui e até à estação seguinte o trilho é quase imperceptível e foi transformado em estrada asfaltada. No entanto, havia vestígios de que a linha passava de facto nestes pontos.
À passagem por Pinheiro de Lafões (Km 44,8/93,7), não foi possível vermos o respectivo apeadeiro, pois já não existe. Seguiu-se a passagem por mais uma ponte, que ainda conserva os carris e travessas originais. Apenas colocaram saibro por cima, com vista à passagem de veículos e desta forma aproveitar a existência da mesma. Nas imediações desta, verificamos a existência de uma igreja e cemitério. Discutimos inclusive a questão dos horários, pois provavelmente a missa não se deveria desenrolar à hora de passagem dos comboios.
Chegamos então ao apeadeiro de Nespereira do Vouga (Km 47,2/91,3). Este encontrava-se bastante degradado, com imenso mato a cerca-lo. Por esta altura, a linha passa pelo meio de muito arvoredo e foi dos poucos sítios em que à semelhança do ano anterior, encontramos muito cascalho. No entanto, não estava no caminho, mas antes arrumado para o lado. Salientamos o majestoso porte de um sobreiro com que nos cruzamos, que teria provavelmente para cima de um século.
O apeadeiro de Santa Cruz (Km 49,8/88,7) já não existe. Foi da pior maneira que descobrimos este facto, uma vez que passamos adiante uns 2 quilómetros. Só à chegada ao Lugar da Póvoa, quando estávamos a colher umas uvas, é que encontramos um habitante que nos indicou já termos passado por essa localidade. Tivemos então que voltar para trás, uma vez que esse era o local onde iríamos pernoitar.
Aí chegados, contactamos o Sr. António Manuel, um dos responsáveis da Associação local. Uma semana antes, tínhamo-lo abordado no sentido de pernoitarmos no interior das instalações desta associação e aí tomarmos um banho. De imediato aquiesceu, facto que também aqui salientamos. Após estendermos os sacos-cama, tomamos um delicioso banho e fomos depois em busca de um restaurante. Havia na localidade duas opções, entre os quais uma pizzaria. A nossa escolha recaiu precisamente na comida italiana, por sinal muito bem confeccionada. Depois disto, restava-nos o merecido descanso.
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