Segunda-feira, 11 de Novembro de 2013

Mix de Caminhos - de 12 a 15 de Outubro de 2013

Sábado, 12 de Outubro de 2013 – DE LUGO A FRIOL

Os convites foram endereçados e os desafios aceites.

Cada um iniciou a preparação à sua maneira, com as suas limitações, os seus medos, as suas expectativas e as suas motivações.

O plano envolvia a possível participação de 6 vagabundos, mas um desistiu mesmo antes de dizer sim. Dos restantes 5 que abanaram afirmativamente a cabeça, todos chegaram à linha da partida o que permitiu que esta fosse uma experiência em tudo inovadora.

Mas nem só o número de vagabundos presentes à partida era inovador. O próprio caminho também o era. A começar em Lugo, o Paulo engendrou um esquema que contemplava a ligação do Caminho Primitivo ao do Norte por uma via alternativa, e daqui ao Francês. Seria por isso uma oportunidade única para quem pela primeira vez participava nesta aventura, pudesse experienciar de uma só vez vários Caminhos :)

A recolha começou às 5h00. Vindo de Oliveira de Azeméis, o vagabundo Luís deveria recolher em Sandim o Mário. Mas logo aqui surgiu o primeiro contratempo. Ao contrário do que pode acontecer numa situação destas, ele não adormeceu. Simplesmente não acordou :D

Assim, o trajecto foi alterado, mas tudo se resolveu e no final, o importante é que os 5 vagabundos António, Hélder, Luís, Mário e Paulo estavam a bordo com todas as tralhas e a caminho de Lugo.

Neste primeiro dia o objectivo era chegar daqui até Friol pela via "das setas verdes". É uma alternativa que um peregrino se entreteve a marcar e em nossa opinião com muito sucesso, pois tirando um ou outro pequeno troço, o trajecto é globalmente muito agradável.

Depois do atraso vespertino já mencionado, o pequeno-almoço também foi demorado. Havia festa em Lugo e por isso as confeitarias estavam a abarrotar. Depois de percorrermos o interior da muralha que estava muito animada, com direito a mercado medieval e tudo, saímos da Catedral de Lugo quando o relógio já batia as 12h30 e atravessamos pela porta de Santiago, já meios almoçados, porque sítio para comer neste trajecto, só daí a 17 Km.

Seguimos pelo meio do bosque e durante muito tempo com a agradável companhia de um rio. Lá fomos lançando umas piadolas, mas neste primeiro dia houve muita reflexão individual. Quando a fome começou a apertar, fizemos um desvio de 1 Km para irmos até um bar junto à estrada chamado Arcádia, onde comemos um belo queijo, presunto e polvo à galega, tudo regado com umas belas Estrella Galicia.

A segunda parte da etapa ficou claramente marcada pela cultura musical do Luís, que desencantou do fundo do seu baú a música da chibinha mé mé mé que não sabe de quem é!!! Ficamos maravilhados, mas no final de contas, o Mário e o António também já conheciam este achado musical. Claro que daqui e até ao final, não se cantou mais nada.

Para que não julguem que somos invejosos, decidimos compartilhar convosco esta pérola da música portuguesa http://www.youtube.com/watch?v=mQLGlQdWJP0&sns=em

Mesmo antes de chegarmos à pensão onde iríamos ficar esta noite (em Friol não há albergue), encontramos num jardim um grupo de reformados muito bem-dispostos. Lá estivemos à conversa com eles. Só quando chegamos à pensão é que tomamos contacto com os primeiros peregrinos do caminho. Sete ao todo (um grupo de alemães e outro de franceses). Depois de jantarmos, recolhemos ao quarto onde mamamos umas bolachas e um belo Vinho do Porto (que vinha a pesar demasiado na mochila :D)

O Mário ainda teve direito a umas massagens feitas pelas mãos milagrosas do António. É que o joelho já dava sinais de empeno ;/

 

 

Domingo, 13 de Outubro de 2013 – DE FRIOL ATÉ SOBRADO DOS MONXES

O dia começou preguiçoso. Eram 08h00 e ainda estávamos a descer para o pequeno-almoço. Ao descer as escadas, o Mário apercebeu-se que apesar das massagens e dos smarties cor-de-rosa aditivados, não estava capaz de fazer os 24 Km que tínhamos pela frente. Assim, depois de completarmos todos os procedimentos habituais, saímos para a rua para procurar uma camioneta que o levasse a Lugo. A nossa história divide-se por isso em duas partes.

Como não havia camioneta o Mário tentou levar ao limite o espírito de vagabundo, mas depois de tentar a boleia, mesmo arregaçando as calças não teve sorte. Por isso foi caminhando no sentindo inverso ao que havíamos feito ontem e com maior ou menor dificuldade, acabou por chegar ao local onde havíamos almoçado. Caminho é mesmo assim. Cada um faz o seu e mesmo se formos pela mesma via, cada qual faz o seu, com as suas experiências, os seus ensinamentos, as suas reflexões próprias e individualizadas. Assim como se o caminho tivesse inteligência própria. O caminho pode não o ser, mas a vida é seguramente e tem o dão de nos colocar em pontos, situações e contacto com as pessoas certas sem que isso seja propriamente obra do acaso...é o que eu acho ;)

Deixando-me de meditações filosóficas e passando à prática: a senhora voltou a servi-lo principescamente e ainda lhe arranjou uma boleia até Lugo. Depois de recolher o carro ele veio ao nosso encontro até Sobrado dos Monxes.

Os restantes vagabundos seguiram o trilho que lhes estava destinado. O caminho neste troço é um bocado deserto. Inicialmente ainda caminhamos em paisagens agradáveis, mas depois torna-se um bocado monótono. Mesmo assim passamos por lugares de interesse como sejam um moinho, cruzeiros, pontes muito bonitas e algumas árvores de fruta :P... alguma, mesmo selvagem, como as amoras que eu e o Luís nos consolamos de comer. Outra não era tão selvagem, mas a verdade é que não saltamos nenhuma cerca para a apanhar e assim fomos enganando a barriguinha. É que ela ia dando horas e não havia maneira de se encontrar um sítio onde pudéssemos ferrar o dente em alguma coisa de jeito. A determinada altura tivemos que atravessar um riacho e para tal, tivemos que descobrir o caminho das pedras para não nos enterrarmos até ao joelho. Passamos por muitas aldeias agrícolas e em certos sítios tivemos que abrir e fechar cancelas que delimitavam pastagens de gado e propriedades agrícolas. Felizmente não apareceu ninguém atrás de nós com uma arma na mão :P

Uma das vezes em que passamos por uma pequena manada foi possível sentir o calor que as bichas irradiam. Só conseguimos encontrar algo onde ferrar o dente quando chegamos a Méson. O repasto não foi tão bom como o de ontem, mas a fome apertava... neste ponto faz-se a ligação ao Caminho do Norte e daqui até ao nosso destino deste dia foram só mais 5 Km.

O albergue fica mesmo no interior de um Mosteiro e chegamos mesmo no momento certo. Por um lado porque estava a abrir, por outro porque começou a chover como se não houvesse amanhã. Depois do banho visitamos o Mosteiro e fomos jantar cedinho. Hoje era o dia dos empregados preguiçosos. Depois do que encontramos ao almoço, saiu outro agora à noite. E este come mais que os clientes todos juntos :)

Ao regressar ao albergue fomos até à cozinha fazer a "avaliação nocturna" da etapa e comer umas amêndoas torradas acompanhadas de Vinho do Porto (que continuava a pesar na mochila e por isso urgia acabar com ele antes que ele acabasse com as nossas costas :D).

Antes do jantar já nos tínhamos apercebido que havia na camarata um roncador profissional. E nem com os "estalidos de língua" (que é um termo muito técnico), ele se calou. Às tantas o Paulo pegou nas tralhas e foi dormir para a cozinha. Talvez à espera de ter sonhos saborosos :P

 

 

Segunda-feira, 14 de Outubro de 2013 – DE SOBRADO DOS MONXES ATÉ O PEDROUZO

Depois do tradicional pequeno-almoço tomado num café mesmo em frente ao Mosteiro, pusemos os pés ao caminho para uma etapa que se adivinhava muito dura. Tínhamos pela frente 36 Km que haveríamos por constatar mais tarde que não tinham grandes atractivos paisagísticos. Até chegarmos a Boimorto ainda vá. O caminho é parcialmente realizado no meio de bosques. No entanto, depois de termos parado nesta localidade para um reforço do pequeno-almoço (e que belo reforço, com pão quentinho acabado de sair do forno, queijinho e presunto...inhami), a coisa complica-se. Só se vê asfalto durante 15 Km e para além de monótono, é um troço muito duro. Isto também porque seguimos pela variante que nos leva directamente a Santa Irene sem passar por Arzúa. Com esta escolha poupamos algum tempo de caminho, o que tendo em conta as nossas limitações de calendário era mandatório.

A opinel voltou a ser utilizada para serviços de sapataria recreativa e após essa intervenção, o Luís ganhou uma vontade e ânimo novos para caminhar. Diz ele que ganhou umas sapatilhas novas para mais uns anos de caminhadas :)

Como habitual, chegados ao albergue de O Pedrouzo e comemos na cafetaria Che. Deitamo-nos cedo porque amanhã temos que sair da cama às 05h30. Mas não sem que antes nos juntássemos na cozinha para terminar o Vinho do Porto acompanhado por umas bolachas tradicionais cujo sabor ninguém conseguiu definir. Mas todos fomos unânimes em admitir que sabiam a bolachas de quando éramos miúdos. Seja lá isso o que for :P

Agora pela noite começou a chover não perspectivando nada de muito bom para amanhã...o Luís tem estado em negociações com o S. Pedro e para já tem-se saído muito bem. Eu nem quero abrir a minha boca porque na semana santa não me entendi lá muito bem com ele :D

 

 

Terça-feira, 15 de Outubro de 2013 – DE O PEDROUZO ATÉ SANTIAGO

Eram 04h30 quando acordei e já sem sono. Vim para o átrio do albergue escrever. Coisas... :P entre pensamentos, recordações e sonhos futuros, o caminho é pródigo em proporcionar momentos assim. E eu gosto de deixar fruir a coisa :)

Já estava um peregrino preparado para sair. Chovia a cântaros e eu perguntei-lhe se ele conhecia o caminho, ao que ele me respondeu que sim. Eu alertei que tinha um bom bocado de bosque pela frente e ele disse para eu não me preocupar. Ainda o ajudei a colocar o poncho para tapar bem a mochila e desejei-lhe um bom caminho. Pelo sotaque inglês, parecia ser americano. Cada vez se vêem mais a percorrer os trilhos de Santiago...

Quando o relógio bateu as 05h30 fui acordar os meus companheiros de jornada e voltei ao átrio já com as minhas tralhas todas na mão para arrumar dentro da mochila (de forma a não incomodar os outros peregrinos que ainda dormiam; procuro deixar tudo o mais pronto possível na noite anterior de modo a não ter sacas nem fechos para correr). Eis que tocam à campainha do albergue. Abri a porta e era o meu amigo americano que tinha voltado para trás. Tinha-se perdido e no escuro e com uma chuva medonha a fazer-lhe companhia, tomou a decisão mais acertada e voltou ao ponto de partida. Convidámo-lo a seguir caminho connosco. Depois de inicialmente dizer que não nos queria atrasar, com a nossa insistência lá acedeu a vir connosco e ficamos a saber que se chama John e que começou o caminho em St. Jean Pied Port com 68 anos. Agora já tem 69 o que quer dizer que celebrou o aniversário pelo caminho :) Este é o 33º dia de caminho para ele e sempre sozinho. Descobriu que tem cancro e decidiu embarcar numa experiência espiritual. E aqui está ele, feliz da vida, encantado por a vida lhe ter proporcionado esta oportunidade mágica. Eu bem disse que caminho é mesmo isto. Cada um faz o seu, com as suas lições...

Sempre a dizer que não nos queria atrasar, lá foi seguindo ao nosso ritmo. Obviamente que nos adaptamos porque nunca o iríamos deixar para trás. E o Mário até agradeceu, porque apesar dos joelhos lhe terem permitido voltar à estrada, o ritmo não pode ser exagerado. Mas isto foi só de início, porque a partir de determinada altura, os joelhos aqueceram e já ninguém o agarrava :)

A primeira parte do trajecto foi muito dura porque no escuro e a chover copiosamente, tivemos que testar a nossa tenacidade ao limite. Por vezes aos tropeções, mas lá fomos avançando, sempre com a chuva por companhia. Só fizemos uma pequena pausa para um café que nos aqueceu a alma e um bocadillo que nos acalmou as entranhas e depois de nos despedirmos do John, que preferiu ficar para trás já o sol ia alto, chegamos a Santiago por volta das 11h30. Só deu tempo para trocar a roupa e recolher a Compostela, mas mesmo assim quando entramos na Catedral, já a missa ia nas leituras. Depois dos rituais costumeiros, fomos à rua das "Pedras de Santiago" onde acabamos por comer e fazer umas comprinhas. Seguiram-se outras casas comerciais e quando todas as lembranças já tinham sido compradas, foi hora de ir buscar o carro a O Pedrouzo e recolher ao Seminário Menor. Regressamos à cidade para jantar no Manolo e depois de uns belos 14 chopitos!!!!, fizemos algo inédito: ver o exterior da Catedral à noite. Numa só palavra: brutal...

A reter deste caminho e desta noite em particular em que tudo o que se passou neste caminho foi lembrado por todos os vagabundos:

1. oh Lourenço, tu estás-me a foder!!!

2. é a chibinha me me me, é a chibinha que não sabe de quem é

3. o almoço prometido pelo António

4. as fotografias demoradas do Mário, que se calhar até vão ficar boas...não se sabe é quando :D - Mário, atenção que sem fotografias não há o ponto anterior...

5. era um indivíduo de uma certa idade...que idade?!?!?

6. tá beim...tá beinhe...

Só os vagabundos sabem o que cada uma destas coisas significa e para eles não há necessidade de qualquer explicação. Para os outros, perdoem-nos, mas é mesmo só nosso :P

Grande caminho, grande experiência. A ideia mais marcante que aqui fica é que caminho é mesmo assim. Cada um tem a sua história e mesmo caminhando uns atrás dos outros em fila indiana, cada qual faz o seu, com os seus pensamentos, com as suas aprendizagens, com as suas lições, mas num espírito de companheirismo e amizades muito fortes. Eu adorei e acho que valeu bem a pena. Espero que todos tenham sentido o mesmo. Uma palavra de apreço e agradecimento aos vagabundos que pela primeira vez alinharam nesta experiência. Bem hajam ;)

publicado por vagabundos às 15:10
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